segunda-feira, agosto 30, 2004


Sir Bobby Robson, despedido pelo Newcastle



... já teve um convite para tradutor no Chelsea.


Olá

É fruta ou chocolate... olha o postinho fresquinho... 5€... amanhã envio o NIB para que possam simpaticamente contribuir para este V. novo membro.


A saúde pública está parva

A saúde pública… pois, é um argumento.

E com este argumento eu não posso contaminar este blog… as minhas ideias padecem de uma doença contagiosa que se chama "sou-parva" ou "estou-parva" (uma das estirpes do vírus que anda por aí) e que significa "sou pequena" ou "sinto-me ínfima" perante as enormidades que acabei de ouvir.

Ao facto de o Sr. Lopes e de o Sr. Portas se terem refugiado em argumentos falsos e absurdos, invocando, entretanto, uma Convenção que só é aplicável ao lado, o meu sistema imunitário ainda reagiu.

Contraí a doença quando vi um débil mental na televisão – supostamente "Secretário de Istado das Tretas da Água" – dizendo que "iriam-se utilizar medicamentos..." e "íamos istar... em situações desagradáveis".

Ora, quem fala assim escreve assado!

Não se trata de sermos pobres e mal agradecidos.

Não se trata de ver mais ou menos esclarecida a opinião pública.

Não se trata de saber que o estatuto legal do aborto quase não afecta os seus níveis de incidência.

Não se trata de distinguir embrião e feto, a sua protecção a partir da própria mãe e de discutir o modelo consagrado na nossa legislação.

Não se trata de constatar que por aborto, a nível mundial, morre uma mulher em cada 5 minutos.

Tudo isso poderia ser motivo de reflexão se eu não estivesse contaminada pelo vírus da parvoíce.

Assim, como estou, só me resta avisar: é altamente contagioso (até "TVborn"), provoca vómitos incoercíveis, alucinações (acabei de ver um holandês voador a pairar ameaçadoramente sobre um país governado por marretas… juro que passou um aborto, agora mesmo, pelo ecrã), perturbações… da fala, afecta as funções neuro… quê?... ah!... e os direitos dos animais, pois… dos porcos, esses… pois.

domingo, agosto 29, 2004


Homem dos submarinos ao fundo

Tomar decisões de força para evitar escolhos políticos é sintoma de ambição totalitária.

Como atacar para prevenir o embaraço é pecha de cobarde.

E mandar um qualquer anódino sopinha de massa dar a cara só confirma a falta deles.

quinta-feira, agosto 26, 2004


"I, Robot"

Telefona várias vezes ao dia para o escritório. À beira da piscina, consulta o palmtop e o laptop (obviamente, topos de gama), mas não repara no topless (idem). Deu o número de telemóvel a todos os contactos profissionais e, assim, atingiu o louvável objectivo de percorrer constantemente a praia em longos solilóquios com a mão direita.

É um homem insubstituível. Ao menor pretexto, interrompe as férias e regressa à cidade para a inevitável conferência urgente: " O quê? Não encontram os agrafos? Marque uma reunião com o Aprovisionamento para amanhã, às oito da manhã, e convoque todas as chefias intermédias, o Director Financeiro, a Assessoria Jurídica, a Contabilidade e o Chefe da Segurança. Vou enviar-lhe já por e-mail um memorandum preparatório com as guidelines sobre o uso de agrafos na Instituição que deve reencaminhar para todos os convocados."

Sorte a dele ter uma mulher compreensiva, que entende a importância da problemática do agrafo e não reclama por ficar sozinha com os dois rebentos e o respectivo professor de natação...

sábado, agosto 21, 2004


A humildade do conhecimento

Ando há uns dias a mastigar a "Pluma Caprichosa" da Clara Ferreira Alves que – a propósito de Sócrates – revelou uma imensa arrogância.

É que, se é certo que me estou nas tintas para o Sócrates e para os políticos em geral (que andam, efectivamente a abusar das citações por dá cá aquela palha), não é menos certo que a referida senhora, a pretexto da crítica que lhe tece, deu bordoada a torto e a direito, em tudo quanto era gente que gosta de citar. E porquê? Porque do alto da sua imensa sabedoria, entende que só a ela – pelas referências supostamente esmagadoras que paulatinamente vai publicitando – lhe é permitido citar.

Não sendo ela a citar, a citação está fora do contexto e “…tem o mesmo efeito do name dropping… como se a citação passasse a ser, hoje, um certificado de ignorância e bestialidade de quem associa George Sand a um homem e Chateaubriand a um naco de carne.

Afinal, nesta crónica – que eu ainda quero acreditar que não passou de um “faux-pas” – a dita senhora acaba por insinuar que ("preso por ter cão e preso por não ter") os ignorantes não sabem e não devem aspirar a saber. Assiste-lhes, apenas, um modestíssimo direito ao silêncio, sempre venerador, para não incomodar os "intelectuais" de pacotilha.

Mas quem é que a nomeou paladim da cultura em geral e dos citados em particular? Foi o mesmo que lhe sussurrou que "…nem consta que tivesse biblioteca"?

Eu, que não tenho a veleidade de supor que é necessário saber de cor a obra inteirinha de Platão para poder citar Sócrates, não sei se lerei hoje a crónica da dita senhora. Felizmente, Henrique Monteiro regressou de férias e isso permite-me o gosto da rotina semanal da "Única" a que está quase reduzida a leitura do "Expresso".

Uma humilde achega, apenas, de Confúcio (que não li todo): Não te preocupes se as pessoas não reconhecerem os teus méritos, preocupa-te se não conseguires reconhecer os delas.

sexta-feira, agosto 20, 2004


"Obviamente, não me demito"

Em Portugal não há hábitos de responsabilidade política ou institucional.

Pena. É um conceito excelentíssimo. Faz com que um ministro ponha o lugar à disposição porque a senhora da limpeza encontrou um papelito gorduroso no cesto dos ditos e o mostrou ao filho que, por acaso, namora com um rapaz muito íntimo dum senhor do "Correio da Manhã", que anda sempre aos papéis, quanto mais peganhentos melhor, assim dando origem à manchete "Ministro come a secretária", à qual, alegadamente, um acento grave foi surripiado ao "à"... da gaveta do computador do jornalista.

Claro que este não é um ministro português.

Vejamos:

Um ministro do PP não se demitiria, por um lado, porque não há nenhum ministro do PP capaz de comer a secretária, (questão de decência, honni soit…) e, por outro, porque, de imediato, reconheceria a cabala orquestrada pelo SSL (Sindicato das Senhoras da Limpeza), em associação com o BE, para descredibilizar a privatização das máquinas de sanduíches do Ministério.

Um Ministro do PSD não só não se demitiria como, lestamente, aproveitaria a oportunidade para contratar mais dois assessores: um para estudar o dossier da deslocalização das máquinas de sanduíches e outro (recrutado no suplemento de Segredos de Cozinha da "TV-7Dias") para falar com a imprensa sobre a importância do fiambre na tosta mista.

Um Ministro do PS não se demitiria para não desestabilizar a estabilidade, tanto a dele como a da secretária. Isto para além de não querer dar mais desgostos ao Dr. Sampaio (independentemente do apuramento das responsabilidades até às últimas consequências). E, sobretudo, porque não se pode arriscar a perder os seguranças: o marido da "piquena" é um ex-comando muito ciumento.

Um ministro do PCP seria uma ficção e as ficções não se demitem. Para além do mais, a senhora da limpeza chama-se Eufémia e há memórias que são intocáveis.

Confirma-se: somos um país de brandos costumes.

O único interveniente a cair, neste escândalo de gravíssimos contornos, seria o cesto dos papéis, compulsivamente aposentado da função pública, após distinta carreira. Até porque o ministro tem em vista uma direcçãozinha numa multinacional de trituradoras de papel.

quinta-feira, agosto 19, 2004


"A Queda dum Anjo"

Eu já tinha decidido não voltar a falar de obscenidades. Alhear-me delas, ignorá-las, esquecê-las, apagá-las… demasiado Ibsen para o meu gosto aligeirado das coisas.

Ontem – a meio de uma conversa amena e agradável – a pergunta surgiu, casualmente: "Acha que o Souto Moura vai cair?". Respondi um "acho que não", em tom talvez demasiado seco porque aturdido por esse pesadelo relembrado. O meu interlocutor fez a ponte elegante para outro tema, depois de algumas considerações sensatas.

O assunto morreu mas tinha renascido a minha náusea. O Souto Moura não cai porque – neste "God forsaken place" – só os anjos caiem.

Neste contexto, pouco bíblico, os anjos não são apenas os puros ou sequer os mensageiros… são, também e sobretudo, os burros descartáveis, os desbocados "salvados" dos acidentes de percurso e os néscios que, por falta de asas compridas – ou adequado golpe de asa – não têm as costas suficientemente quentes.

Ora, o Souto Moura não me parece caber nesta classificação. Assim, por muito que queira acreditar na integridade desse homem (e não tenho motivos objectivos para supor o contrário), surpreende-me a falta de pudor da sua inamovibilidade.

No decorrer da conversa, lembrei-me de uma passagem de Camilo Castelo Branco – talvez porque tão caro ao meu excelente interlocutor – e teimo em escrevê-la, apesar das citações caírem tão mal como cicuta nos tempos que correm:

"Sei que o leitor ficou passado com esta notícia...Quer que se limpe da fronte deste homem o estigma de um pensamento adúltero. Honrados desejos!
Mas eu não posso! Queria e não posso! Tenho aqui à minha beira o demónio da verdade, …o demónio da verdade que não consentiu ao Sr. Alexandre Herculano dizer que Afonso Henriques viu coisas extraordinárias no céu de campo de Ourique, e a mim me não deixa dizer que Calisto Elói não adulterou em pensamento!..."

Sem esperança nos demónios da verdade – oculta nas entrelinhas das gravações hoje "apagadas" pelo "Correio da Manhã" - tenho por certo que Souto Moura adulterou, pelo menos, em pensamento e adultera, pela permanência, o cargo que "desempenha".

Adultera, nem que seja pelo facto de aproveitar as gastíssimas "…últimas consequências" de Sampaio como garante de preparação de um conveniente pára-quedas que lhe permita uma suave "aterragem" em qualquer outro lugar.

Impunha-se-lhe – se fossem verdadeiramente dignos os seus propósitos – que, não caindo entre tantos atropelos, se atirasse da janela mais próxima do edifício desmoronado.

Não o tendo feito, desonroso, já cai de podre.

No entretanto, "eles andem aí…" sedentos de sangue e, como insinuou – bastante bem – o Barnabé, os estafetas da PGR, PJ, DIAP e quaisquer outros anjos que se cuidem.


Alegadamente...

"Se me permitem..." teria, alegadamente, dito o alegado treinador da suposta seleccção olímpica de futebol "...demito-me!", na alegada resposta à alegada pergunta do suposto jornalista do alegado canal alegadamente público de TV:

- Na polícia alegadamente militar os seus alegados subordinados eram assim tão supostamente disciplinados como os seus alegados jogadores que, alegadamente, teriam estado nos alegados Jogos alegadamente Olímpicos?,

quando, alegadamente ao mesmo tempo, o alegado jornalista da ex-TV da igreja teria supostamente gritado em fundo e alegadamente abalroando o alegadamente engravatado e presumível repórter da SIC:

- José Romão, como comenta o alegado facto de ter sido um alegado porco supostamente míope que terá encontrado o alegado canivete que, supostamente, terá sido a arma com que terá sido assassinada a presumível grávida encontrada, alegadamente, no que dizem as nossas fontes ser o palheiro do sr. Augusto?

Entretanto, e alegadamente a milhares de Km de distância:

"Roubaram-mas, roubaram-mas!" terá gritado uma voz em off, enquanto, presumivelmente, olhava as estatísticas alegadamente desfavoráveis às vendas da sua alegada publicação.

quarta-feira, agosto 18, 2004


O cacique

Transpira sucesso pelos poros abertos. Quarentão rubicundo de importância a estrebuchar pelas costuras do fato cinzento, o dignitário local é uma força viva da região.

Herdou meia dúzia de quintas e casou com um pequeno negócio. Bastião do partido, cedeu instalações e financiou campanhas. Em troca, os fundos comunitários montaram-lhe explorações agro-pecuárias, PMEs várias e uma mansão apalhaçada.

A família popula as estruturas municipais das redondezas. É amigo do deputado que-já-foi-ministro-e-esteve-quase-quase-a-ser-mais, que lhe dá, amiúde, a honra de engalanar com a sua cosmopolita presença os grandes churrascos políticos organizados por dá cá aquele javali. E, claro, tuteia o bispo e "pápeia" o governador civil.

Mas ele só quer o bem das populações. É o protector de órfãs e viúvas, o esteio da associação recreativa e cultural, o garante da sobrevivência do clube de futebol que, graças ao seu patrocínio, e ao de um primo na arbitragem, enche de orgulho o peito local. Léguas em redor, não há burrinho que não toque, nem lucro em que não tenha parte.

Ao Domingo, na praça central, cerra entre as suas todas as mãos incautas e distribui palmadas nas costas mais vulneráveis.

Enturma entusiasmado com os jogadores de malha, jorram-lhe benesses em forma de palavra, senta-se com os velhotes à mesa do gamão, galanteia as senhoras e ainda dá uma mãozinha na quermesse das Irmãs de São Sebastião – o Desejado.

Salta aos olhos que é um pilar da comunidade. E, à socapa, faz batota às cartas.

domingo, agosto 15, 2004


Ainda di(z)gestão hospitalar?

Ainda noutro hospital de Lisboa, o director repreendeu um médico por, em sua opinião, este estar a gastar demasiados "nacles" nos doentes.

O médico não percebeu. "Nacles"? Ele nem sabia o que era isso…

O director – mais um zeloso não clínico – tira, triunfantemente, da gaveta a prova do crime: a listagem dos medicamentos consumidos onde tinha sublinhado e posto em evidência "NaCl".

Quando o médico lhe explicou que se tratava de um vulgar balão de soro com a usual diluição de cloreto de sódio, o director ficou mais tranquilo.

Os médicos e utentes desse hospital, nem por isso…

É indigesto – mesmo com consumo astronómico de bicarbonato – pensar que um hospital é dirigido por um indivíduo que não percebe "nicles" do que é mais elementar.

sábado, agosto 14, 2004


A Casa

Era um edifício antigo, de pedra granítica, sem grande valor estético ou interesse arquitectónico, mas feito do material de que feitos são os sonhos.

Sucessivas gerações, todas com filharada ao jeito alecrim, haviam ampliado uma estrutura central sóbria e transformado a Casa num labirinto encantado, meio trapalhão e muito pouco funcional, de corredores, átrios, varandas, quartos e salas, amiúde desaguando uns nos outros com a única lógica do mais puro efeito surpresa.

Nas enormes férias grandes da infância, os netos tomavam de assalto o forte e eram homéricos jogos de escondidas, batalhas de titãs pelos corredores, túneis escavados por baixo das mesas, grandes aventuras de audazes princesas e valorosos cavaleiros, em intermináveis justas que transbordavam para os jardins em redor, onde um centenário carvalho vestia de navio pirata e o laguito dos patos exibia, revoltoso, ambições oceânicas.

Sôfregos pequenos selvagens, crestados pelo sol do infindável verão, recuperavam forças na comprida cozinha de lajes negras, impregnada do cheiro a pão acabado de fazer, onde, a uma distância respeitosa dos bojudos e fervilhantes caldeirões de tripé assente no lume, os esperavam sempre magníficas regueifas de trigo açucarado, que "borravam" de compota.

Quando a avó, um dia, se deitou para morrer – serenamente, como sempre vivera e depois de cumprir as suas obrigações diárias (era uma mulher meticulosa) – a Casa coube, em partilha, a um tio fútil e perdulário. Breve a vendeu a um casal com meios, que perfilhava legítimo gosto na exibição dos seus fins. Este festejou a aquisição substituindo os elaborados portões de ferro forjado por gigantescas portadas automáticas, ao mais belo estilo Fort Knox… e lacadas!

Hoje estavam abertas para uma qualquer função, deixando ver a Casa em todo o seu esplendor. Está emaciada, aparadas as partes excessivas ao bom uso. Nasceram-lhe duas robustas garagens e uma prendada estufa em alumínio. Orna-lhe agora a fronte um bordo superior de pequenos torreões arroxeados por sobre uma sacada verde-garrafa.

Juro que me olhou com lágrimas nas janelas.


Veneno olímpico

Em "Eu não vou aos jogos olímpicos", Daniel Carrapa dá nota de uma crudelíssima realidade, de forma simultaneamente objectiva e sensível.

O envenenamento sistemático dos animais abandonados na Grécia, que agora envolveu a Administração Central e Local para que o turista os não visse, parece-me um acto de biocídio intolerável.

Disse Leonardo Da Vinci:

Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais e nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a humanidade.

Até lá – ou nos próximos quinhentos anos, se eu não morrer entretanto – não porei os pés na Grécia.

Ela não notará a diferença. Eu noto, anoto e afirmo que não sou conivente com este tipo de hospitalidade turística que, para mim é "grego".


Di(z)gestão hospitalar?

Há dois meses, num (outro) hospital de Lisboa, um médico foi picado com uma agulha que servira para colheita de sangue a um doente.

Na sequência da declaração de acidente de trabalho, foram-lhe efectuados os testes adequados a despistar qualquer contaminação.
Até aqui…

Há uns dias, o médico – que faz parte do quadro desse tal hospital dirigido por outro brilhante não clínico – recebe a factura dos testes que lhe fizeram por causa do acidente de trabalho.

Surpreso, o homem foi à tesouraria dizendo que não pagava porque, como lá estava indicado, tinha sido um acidente de trabalho naquele hospital.
Esclareceram imediatamente:

“Sabemos bem disso, mas o Sr. Dr. não disse qual era o nome da Seguradora deste hospital!”

Como é que se digere isto?

Talvez com a moral da história: Os gestores hospitalares ainda não leram o Kafka todo e, portanto, não lhes ocorre que, na sequência de um acidente de trabalho, ainda se poderá mover um processo disciplinar ao acidentado.

quinta-feira, agosto 12, 2004


A paixão



É uma viúva de negro vestida, sessenta e oito anos bem apessoados, algo opulentos na robustez das carnes torneadas.

Os filhos, embrenhados na vertigem dos dias preenchidos, vão agradecendo a filiação com telefonemas dominicais e visitas de efemeridade.

Os netos, ânsia secreta de segunda maternidade, tão perto e tão longe, perdidos pela lassidão dos fios condutores.

Teve momentos de desespero, amachucada pelo abissal vazio que só sente quem sempre viveu para os outros e um dia se encontra sem objecto nem objectivo, com a consciência de nunca ter sido sujeito de coisa alguma.

Encontrei-a hoje na esplanada, teclando, absorta, no seu computador portátil, encastrado em bolsa de risquinha cinzenta, o dedito bojudo acima-abaixo.

Mesmo que a risquinha cinzenta não me tivesse, de imediato, levado a concluir que aliviara o luto, o brilhozinho nos olhos castanhos-cachorro fiel era inconfundível.

Como gostei do rubor que lhe subiu às faces quando me apresentou o velhote de fato de linho sentado a seu lado: "É o Manuel, foi ele que me iniciou nas informáticas…"


Postal das Canárias



Querida São,

Aqui vai o postalzito que te prometi para a colecção.
Fiquei preocupado com o teu telefonema de ontem por causa da bronca das gravações. Se os gajos se lembram de controlar as fotocópias, o pessoal está lixado. Falaste (como te pedi por telemóvel) ao Diamantino que está agora de turno na secretaria? É que se a borrasca se fica pela implicação dos magistrados e da PJ ainda é como o outro, mas se nos descobrem as avenças com os jornais…é claro não se prova nada mas é uma chatice.
Os putos estão porreiros e divertem-se à brava. A Adelaide já fez amizade com duas espanholas que também estão aqui de férias e (tu sabes como é a tua cunhada) até já fala espanhol, que elas não percebem porque, além de estúpidas claro, acho que são um bocado surdas, mas entre berros e gestos lá se vão entendendo.
Hoje à noite ainda te ligo para saber se tens notícias do assunto.
Dá um abraço ao Alberto.

Um beijo do teu irmão,

Bento

domingo, agosto 08, 2004


Hipótese puramente académica

Alguém viola o segredo de justiça em declarações a um jornalista. Este grava tais declarações sem autorização. As gravações são-lhe alegadamente furtadas. Ao investigar o presumível crime, MP e PJ tomam conhecimento das declarações. Como o segredo de justiça é uma batata, estas passam a ser do conhecimento público.

a) Acha que há mais do que dois intervenientes nesta hipótese? Teorize a conspiração.
b) Acha que há mais do que três intervenientes? Justifique a ingenuidade.
c) Defina círculo vicioso.
d) Qual dos intervenientes vai preventivamente preso?
e) Descubra a moral da história.


"Mister DeMille, I´m ready for my close up"

Querido José Castello-Branco,

Estive uns dias no Portugal afastado - não no profundo, no afastado mesmo - onde o peso da interioridade esmaga por ausência de estímulo, onde a melancia se chama sandia, onde a vontade de comunicar se dilui em respostas breves e o desejo de ócio se dissipa com o tédio.
Entre delírios termais, escassas consultas bloguistas e algumas (vãs) buscas em livrarias com duas prateleiras, lembrei-me do Thoreau e apaziguei-me com aquela tão linda quanto gasta frase:

I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I had not lived. I did not wish to live what was not life, living is so dear; nor did I wish to practise resignation, unless it was quite necessary. I wanted to live deep and suck out all the marrow of life, to live so sturdily and Spartan-like as to put to rout all that was not life...

Assim, resignada ao essencial que me restava, passei os olhos pelas revistas da papelaria... e não é que o vejo? Ali, na TV Guia com honras de capa e promessas de partir para a "Quinta".

Não resisti, rico, tive mesmo que ver - e ler - a entrevista exclusiva anunciada na capa.

E a-do-rei, 'tá a ver?

Acho que essa gentinha que o critica não percebe nada de coisa nenhuma e, de todo, não o compreende.

Eu, por mim, percebo-o lindamente e queria dizer-lhe que não ligue a esses esfomeados "de conhecimentos" que teimam em não ver a profundidade que é tão evidente em cada frase sua.
Por exemplo, quando o querido diz que "sem estas pequenas coisas (tipo guarda roupa todo griffe) eu não seria eu", tem montes de razão.

Eu própria, sem as minhas coisinhas, também não seria eu... Desconfio mesmo que não seria nada, o que - para pessoas que, como nós, querem à força ser alguma coisa - não dá jeito nenhum e chega a ser embaraçoso.

Três notas apenas, rico, sabe que eu aquilo que não digo pela frente digo pelas costas. É assim:

Não volte a pousar para a fotografia com os braços levantados para se ver que também depila as axilas porque revela, ao mesmo tempo, uma flacidez muscular to-tal.

A tonalidade do verniz com que pinta as unhas não combina, de todo, com a sua tez morena.

A fita no cabelo - apesar de estar lindamente com as madeixas e o batôn - dá-lhe um ar do tipo sopeira ( que o querido alega ter tido para matar as galinhas "parvoadas" a "espichar sangue" na sua infância).

Eu dava-lhe o nome de uma casa em Londres onde lhe faziam umas botas de montar à medida da sua gota ( e tão chique que tem porteiro a fazer vénias e isso tudo) mas as suas Channel parecem-me muito mais adequadas para a caça à galinha que se propõe.

Até porque, se montar um cavalo, nesses preparos, ao pé de uma qualquer galinha, não precisa de usar espingarda ("como na caça à raposa" - não foi isto que disse? Espingarda na caça à raposa?)... Ficaria tão, mas tão "fantástico", que a galinha se atirava para o chão e morria de riso e ponto, 'tá a ver?

Admiro-o imenso por aguentar a "conversa fiada" com "grupetas" de gente que "odeia" e "que não passa de um grupo de pequenos burgueses, sem mundo, com manias que são alguém".

Sim, porque para nós que temos "mundo", somos "alguém" e temos "conhecimentos" é pa-vo-ro-so suportar a dor de uma gota nuns sapatos Yves Saint Laurent.

Ah, é verdade! Já reparou que há gentinha capaz de ostentar marcas para tentar confundir tolice medíocre com excentricidade?

Bom, meu querido, tenho que ir, está um calor de morrer e não há pachorra para mais.

Um milhão de beijos para si e para a bettyzinha,

quinta-feira, agosto 05, 2004


O senhorio intransigente

Monólogo de um arrendatário injustiçado:

Parece impossível, veja lá, o sacana do senhorio não quer vender. Este sempre foi o nosso lar, moralmente a casa é mais nossa que dele. Olhe que o meu falecido pai veio para cá ainda estudante, dividia então a renda com meia dúzia de colegas e aqui acabou por morar toda a sua vida. Depois o arrendamento passou para o nome da minha mãe, com quem eu vivo, aliás hei-de viver até Deus a levar, que são oito assoalhadas à Avenida de Roma por onze contos e quinhentos, não me arrisco a sair daqui e perder o direito à casa, apesar da velhota não se dar com a minha mulher e já não se falarem há anos. Coisas de sogras e noras, sabe, relações complicadas, às vezes o ambiente familiar é tão gelado que me constipo só de passar a porta de entrada.

A minha mulher ainda insistiu para nos mudarmos para um apartamento que ela herdou, mas eu disse-lhe nem penses filha, não sou capaz de viver nos subúrbios. Vamos mas é vender, que o apartamento fica numa área que valorizou muito nos últimos anos, felizmente não tem inquilinos e está em óptimo estado de conservação. Com o dinheiro compramos esta casa ao senhorio, a minha mãe já pode ir morar com a tia Dulce, lá em Barcelos, que é o sonho dela, e ainda ficamos com fundos para mudar a decoração, trocar de carro e passar umas férias à maneira.

Bom, mas agora o palerma do Senhorio tramou tudo. Ofereci-lhe quinze mil contos e o gajo não me quer vender a minha casa. O imbecil diz que quer passar aos filhos o património que herdou dos pais. Como se eles contassem com isto para viver! O estupor parece que não sabe fazer contas. Embolsava, de uma vez só, mais do que a casa lhe rendeu em toda a vida e ficava livre de chatices e obrigações.

Devia haver uma lei que protegesse os inquilinos nestas situações, não acha?


Ah, a propriedade, esse dever!

segunda-feira, agosto 02, 2004


Tour em Volta do Giro da Vuelta

Gosto de quase todos os desportos. Tenho no gene pantufeiro o Torneio das Seis Nações, as corridas de Fórmula Um, as finais de tudo e as finais de mais alguma coisa. Como consequência, sou capaz de me plantar, na madrugada do primeiro do ano, em frente à caixinha, de olho vítreo fixo nos saltos de esqui em Garmisch-Partenkirchen. De ver as competições de parapente nos Jogos Olímpicos. Ou as emocionantes eliminatórias de marcha. No futebol, até os treinos dos infra-sub-iniciados. Mesmo o basebol me diz qualquer coisa. Pouco, convenhamos, mas... where have you gone Joe DiMaggio?

Agora isto do ciclismo! Ainda alguém me há-de conseguir explicar o gozo de ver um desgraçado pedalar horas sem fim sob uma canícula de fritar ovos no selim, perdendo dez quilos numa etapa, acabando a urinar sangue e a ser beijado por duas candidatas a bares de alterno.


Exclusão?

Expira, no corrente mês de Agosto, o prazo para o cumprimento do disposto na legislação em vigor sobre a eliminação progressiva das barreiras arquitectónicas para os cidadãos com mobilidade reduzida, relativamente à adaptação das construções existentes em 1997.

Se das novas construções é o que se sabe, daquelas anteriores a 1997 estamos conversados!